Descrição
Carlos de Oliveira é um nome forte, no século XX, da poesia e da narrativa portuguesa moderna e contemporânea, a ele se devem gestos impactantes de escrita que confrontaram, no ato mesmo de sua elaboração, a concepção do que seja o “trabalho oficinal” em poesia e o compromisso com a literatura. Esta edição quer apresentar este poeta ainda não conhecido do público brasileiro e celebrar também o centenário de nascimento do escritor.
SONETO
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.
Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.
Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.
A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Sabe lavrar
o vento
onde prosperam
o seu milho, o seu gado,
fazendeiro do ar habituado
ao arquétipo escrito
da lavoura,
meu orgulho onomástico
deixado
na outra margem do mar
quando parti
para cuidar das lavras deste lado
e silabicamente
me perdi.
Carlos de Oliveira nasceu em 1921 no Brasil, em Belém do Pará, de pai português e mãe brasileira, mas aos dois anos foi leva-do para Portugal, passando a infância numa aldeia, Nossa Senhora das Febres, em Cantanhede, numa região conhecida como Gândara. Estudou na Universidade de Coimbra (Ciências histórico-filosóficas, Faculdade de Letras) e mudou-se em 1948 para Lisboa, onde veio a falecer em 1981. Um nome forte, no século XX, da poesia e da narrativa portuguesa moderna e contemporânea, a ele se devem gestos impactantes de escrita que confrontaram, no ato mesmo de sua elaboração, a concepção do que seja o “trabalho oficinal” em poesia e o compromisso com a literatura.
No entanto, apesar da potência de sua escrita lírica, o autor é praticamente desconhecido aos leitores brasileiros de poesia, sobretudo os mais jovens. A presente seleção de poemas, retirados de seus livros publicados ao longo de trinta e cinco anos (1942 a 1977) e reunidos na edição Obras de Carlos de Oliveira (1992), visa apresentá-lo a esse público. Para isso, além de nossas próprias escolhas, solicitamos a quatro professores / leitores especiais da poesia portuguesa, com trabalho de crítica bastante reconhecido, que indicassem vinte poemas de Carlos de Oliveira fundamentais para o leitor brasileiro conhecer sua poesia. Entre esses professores, dois já dialogam há décadas, em Portugal, com sua obra, autores de estudos mais do que referenciais: Osvaldo Silvestre e Rosa Maria Martelo; os outros dois, brasileiros, ambos poetas também, chega-
ram depois, com olhares novos e provocantes: Leonardo Gandolfi e Luis Maffei. Os quatro indicaram-nos os seus poemas escolhidos, muitas vezes com opções semelhantes, para organizarmos esta edição à qual demos o mesmo título que tanto importava ao poeta: Trabalho poético. A eles, o nosso agradecimento pela partilha deste projeto.
Com esta publicação, portanto, desejamos que esse autor tenha também seu lugar na atenção brasileira aos poetas portugueses do século XX, o que será justo e oportuno, porque escritores como ele devem ser conhecidos por todos que compreendem a literatura como um compromisso humano, e a poesia como trabalho depurado e exigente de pensamento do mundo. Ler Carlos de Oliveira é seguramente uma estimulante experiência, ainda mais num tempo como o nosso.
Esta edição publicada em 2021 celebra também o centenário de nascimento do escritor, cujo espólio literário, doado ao Museu do Neorrealismo, em Vila Franca de Xira, Portugal, ora catalogado e acessível aos pesquisadores, permite conhecer, com maior amplitude, o interior de sua oficina de trabalho, demonstrando, de diferentes modos, como Carlos de Oliveira foi sempre um leitor atento de textos alheios e de sua própria obra, reescrevendo-a, recriando-a, sem cessar.
Rio de Janeiro, janeiro de 2021
Ida Alves5
Sobre o autor
Carlos de Oliveira nasceu em 1921 no Brasil, em Belém do Pará, de pai português e mãe brasileira, mas aos dois anos foi leva
do para Portugal, passando a infância numa aldeia, Nossa Senhora das Febres, em Cantanhede, numa região conhecida como Gândara. Estudou na Universidade de Coimbra (Ciências histórico-filosóficas, Faculdade de Letras) e mudou-se em 1948 para Lisboa, onde veio a falecer em 1981. Um nome forte, no século XX, da poesia e da narrativa portuguesa moderna e contemporânea, a ele se devem gestos impactantes de escrita que confrontaram, no ato mesmo de sua elaboração, a concepção do que seja o “trabalho oficinal” em poesia e o compromisso com a literatura.
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